segunda-feira, 26 de julho de 2010

MAGIA


E se desfez a luz. Aquele corredor lúgubre após a saída do prédio em estilo de carceragem contrastou com o ocorrido encontro de mentes ávidas por luz em suas vidas. Um silêncio instalou-se avassaladoramente, mesmo tendo no final daquele túnel luzes, automóveis e transeuntes.
Engraçado, a escuridão possui o silêncio. Nossos instintos migram do sonoro gritante para sons quase inaudíveis, sorrateiros.
Caminhando rumo à saída percebo paredes de pedra e garrafas, passo por uma árvore e alcanço o final daquela instituição, coincidentemente ou não de grades. Um novo contraste em minha rota de fuga. Após transpor o portão um grupo de buzinas, luzes, gente e conversas me tomam de assalto, mostrando-me ter voltado à civilização. Caminho até o ponto de ônibus, moro longe e a hora já está avançada. Três metálicas mulheres de Marte conjecturam grosso sobre seus destinos embaixo da cobertura protetora com lateral em ferro todo vazada, parecendo um "queijo" de balas perdidas. Acorda, aqui é o Rio de Janeiro, fica ligado. Dois outros futuros passageiros mais à frente observam, quase desolados, a rua vazia de veículos.
Olho para o portão de saída, outros fugitivos escoem para táxis e caronas. Zona sul não tem mais hábitos de coletivos, é tudo particular. Sou do outro lado da poça d’água, minha carteira de motorista venceu faz mais de trinta dias e ando muito cansado à noite, viva o ônibus.
Quando menos espero surge um “oi” e a famosa pergunta puxa-conversa: “Gostou da aula?”. Olhando um pouco para baixo vejo um sorriso simpático, sardas e grandes olhos femininos. Respondo com meu sorriso e um “oi” que sim, foi muito instigante e promissora. Para não perder minha condução desviando a atenção para a conversa pergunto-lhe se também morava em Niterói, perder um ônibus pode implicar em mais meia hora de espera.
Ela me responde que não, mora em Laranjeiras e está esperando o 584. Porém o dito demora mais que uma eternidade para passar e sua noite de penitência estava iniciando. Neste momento me veio à memória uma estória de um primo. Sempre que surgia uma dificuldade ele dizia que devíamos acreditar na magia que tudo se resolveria.
Ela sorriu meio desconfiada e voltou seus olhos para a solitária rua deserta ao fundo. Sorri e olhei para frente. Um coletivo marrom e azul ali tomou posse de toda a área destinada à parada rápida. Através de vidros esverdeados percebo como num caleidoscópio a imagem de outro coletivo se formando, passando pela rua fora do ponto. Procurei sua numeração por curiosidade, vai que a magia acontece.
-“É o 584!” falei alto para chamar a atenção da minha companheira de aula e espera.
-“É o 584!”.
Ela veio em ansiosos passos sem acreditar, nunca ele tinha sido tão rápido. Falei que ele estava parando logo à frente, acho que eu mesmo parei-o com a força do pensamento. Abriu a porta da frente com se a esperasse. Nesse instante ela disparou em desabalada carreira até a parte posterior de seu desejado destino, bateu com a mão espalmada gritando “pára, pára” pois a pequena espera do motorista era impaciente, queria andar logo dali. Uma mulher que se transformou em menina saltitou até a porta principal do coletivo, subiu e tomou o rumo de casa, impregnada pela força da magia espero eu.
Sorri novamente, talvez tenha feito a minha boa ação do dia ou não, só sei que em cinco minutos foi minha vez de tomar meu caminho de casa, meu ônibus chegou, fui!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

EXTINÇÃO


Há muito li e me espantei: baleia azul entrara em extinção
Como assim?, me perguntei
Essa palavra é sobre dinossauros, será que eu me enganei?
Não, essa palavra sim vislumbrava no rol da minha era.
Significando que este ser deixaria de ser vivo, sem presença
Somente a lembrança contada, pintada, fotografada
Já era, pensei.
E tempo passou, passou e retornou
Um novo nome, uma antiga tradução:
Onça pintada entrara em extinção
Significando que este ser deixaria de ser legítimo
Somente lenda contada, pintada, dançada
Já era, pensei.
Palavras voaram, títulos jornalísticos amarelaram
Até despencar à minha frente tal qual um corpo
Mata Atlântica entrara em extinção, Floresta Amazônica
Mognos, jacarandás, cedros e andirobas
Barreira de corais Australiana, tigre de bengala
Elefantes e guepardos, borboletas, “barrigudinho”
Urso panda, urso polar, tartaruga marinha, meu ar...
Ficaremos sozinhos neste mundo?, me perguntei.
Nos restaremos a nós, atados aos mesmos?
Sobreviveremos apenas com amizade?
Fui procurar respostas, e a encontrei:
Relações sociais tinham entrado em extinção
Significando que esta deixaria de ser feita
De ser para ser, seria holográfica, seria HD
Seria parecer
Assombrado, desesperei
E agora João? O que fazer, para onde correr?
Pensei, pensei e pensei. Lembrei.
Que o amor é o bem maior da humanidade
Salva, ri, acalenta e sustenta esta sociedade
Carente de caridade, esquecida da irmandade
Cadê amor, vou procurar, onde está?
Revista, jornal, páginas de fofoca ou policial
Apenas leio maldade, só brutalidade
Filho tá matando pai, mulher que tocaia marido
Namorado espanca a quem dizia amada
Vítima sem reação ser executada
Criança violentada na inocência
Por bichos despidos de decência
Para meu espanto constatei
O amor havia entrado em extinção.